Ficou-me na memória um episódio da minha vida que, pelos motivos que passarei a relatar, me marcou profundamente e moldou a minha forma de raciocinar…
Talvez por ter a taberna entregue aos ventos e ás moscas, alem de o Lazaro ter arrepiado atrás de uma saia que passou pela porta e de me encontrar só, invade-me uma nostálgica melancolia, portanto desculpem-me…
Um dia, enquanto comia com amigos e em calma cavaqueira, fui abordado por um homem que me pediu um paivante (cigarro) …este homem já se tinha humildemente acostado a outras bancas com a mesma súplica, com o mesmo desejo, sendo-lhe recusado em todas, de forma mais ou menos educada, ou através da indiferença de alguns quanto á sua simples figura. Mal trajado, apresentava-se com uma farpela de trabalho, suja e gasta, e as suas mãos tinham gravadas a dureza do seu labor, a forma do instrumento com que operava, e rugas que invejavam qualquer crosta de arvoredo…
Pareceu-me um homem bom, apenas punido em demasia pela severidade da vida, pela injusta retribuição de quem trabalha duramente, e tão injusta é que por vezes um ordenado no bolso não chega para levantar o olhar aos demais.
- “Desculpe senhor, por acaso não tem um cigarro que me possa dar.”- Pediu-me o mais educadamente que podia e sabia.
- “ Claro, e leve dois…um fica para o caminho até casa.” – Respondi, enquanto estendia o braço com os tão desejados cigarros, ostentando o meu tão característico sorriso.
O homem deteve-se ao segurar os cigarros na mão…e chorou ao olhar-me.
Chorou como uma criança, com o mais puro sentimento, com o coração…sabemos reconhecer as lágrimas que brotam do coração quando as vemos, e eu vi.
Sorri apenas, e admirei o poderoso resultado de tão simples acção, que mesmo desprovida de interesse, conseguiu tocar no mais fundo que aquele homem tinha…na alma.
Decerto nunca esperou que o mais jovem macho que se demorava por aquele sítio fosse capaz de tal acção, e superando tudo e todos, mostrou-lhe uma atenção que talvez a vida á muito lhe tinha negado – “ …um fica para o caminho até casa.”.
Aprendi que o mais simples gesto, pode marcar uma vida, pode alterar uma vida, pode mudar o mundo…aprendi que qualquer gesto, palavra, pensamento, feito, dito ou pensado por o mais insignificante ser, move montanhas…
Tentou retribuir o meu gesto, e disse-me: - “ Esse seu queixo é o queixo de um homem forte, a forma dele diz isso.” Exclamou ainda entre lágrimas e soluços.
Tentou dar-me algo que pudesse fazer o mínimo de justiça ao meu gesto, e deu-me a conhecer parte da sua sabedoria.
- “O meu queixo…” lembra-me de ficar a pensar enquanto esfregava o mesmo.
Quem me conhece, conhece a minha força nas palavras, gestos e pensamentos, portanto ele tinha razão.
Ou talvez não, talvez estivesse enganado, mas a partir daquela altura comecei a acreditar mais em mim, na minha força, e hoje sou o homem que acabei de descrever.
Dizem que os Anjos usam a boca dos mortais para dar a conhecer mensagens suas a todos os que carecem de indicações…e eu bem precisava de um rumo naquela altura.
Não vou entrar em moralismos nem filosofias, mas acredito que as nossas acções têm sempre um retorno, e em triplicado, e desde esse dia tenho vivido com esta máxima no coração e decerto irei leva-la para a campa.
Recordarei eternamente o momento em que um jovem fez um homem adulto chorar com apenas dois cigarros…e dois cigarros foram um preço muito baixo para o que levei em troca: Honestidade, Coragem, Integridade, Altruísmo, Caridade e Bondade…
Eu tinha 20 anos.
- “Muito obrigado bom homem, onde quer que estejas…”
Inocenciodasilva