Lá na quina do balcão, está sentado um velho amigo. Vem de uma época de estroinice ditadura e de fartas folias.
Está quedo, lúgubre e ausente, como se peregrinasse sem corpo nem tempo. O semblante carregado fala por si….
Aproximo-me.
- Ao que parece o meu honrado amigo, envolveu-se amantizadamente com uma camarada de ofício, com encontros e desencontros sôfregos de paixão e pecado.
Encontros céleres mas intensos, eram atributo da dita relação e nem a idade os apartava de tão promíscua ligação.
Mas o segredo é como o vento e silva ao passar nas portas e janelas. Já a coisa vai longe, longe demais para que pernas o alcancem nem tão pouco o desejo de o fazer. Amiúde, por corredores e recantos, conta-se o romance proibido em ambiente de conjura, sobre o esposo e a jovem amante, silenciando-se as vozes ao passar um e outro.
O insólito deste episódio, mora no irónico facto de que ele (honrado amigo meu), apenas soubera de tal paixão á um dia apenas, fazendo dele o único a desconhecer tal enredo – “Velha história do corno…mas de um ponto inverso.” – Digo eu…
Ora, conhecendo eu tal criatura e tal carácter, entendo agora o seu abato.
Homem nobre, e mais que a uma mulher ou a um juízo, era fiel a si próprio, aos seus princípios e ética, tempo e espaço…e nunca, nunca a desejos levianos.
E ela, pobre e inocente ela, de tão pouco convincente que foi quando presente ao tribunal inquisidor, incendiou ainda mais o mexerico…
O meu probo amigo achou por bem palmilhar a trilha da honradez, artilhado de coragem e audácia. Entrou no lar e ternamente abraçou a sua amada (oficial), assim como o próprio jantar…
Durante tão digna refeição, fez a narração do acontecido, e de guarda aberta, exibiu-se o coração, vergou-se em vénia, aguardou o afago da compreensão…mas a dama se fez mula, e deu-lhe tal coice, que ele voou porta fora, vindo aterrar ao meu humilde estabelecimento. Pelo ar ainda ouviu – “ É culpa tua, que dás confiança a todas…”.
- Irrrrra, vá-se lá entender as mulheres – digo eu…e ele.
…E aqui jaz ele, traído pela ingenuidade que leva os pássaros ao ardil, afundando a mágoa da incompreensão numa das minhas canecas. Cobras e aranhas nunca se acham debaixo do mesmo calhau, sem que tenham presa para apanhar…e triste é aquele que é envenenado e enovelado por apetite de alcoviteirice, ou simples entretenimento.
Pergunto-me então: - Será que nos dias de hoje, um cavaleiro temerário faria sucesso entre o mulherio, ou tal qual Dom Quixote, embatia de focinheira em moinhos de saias de tal maneira, que nem mesmo o seu fiel equídeo se safava??... E nem mesmo de alcoviteirices estaria a salvo?... –
- “ Venha mais uma caneca, pois eu, Inocêncio da Silva, preciso de inspirar a agudeza. A cobra pode ser imune ao seu veneno, mas do ardor da ferroada não se vai livrar! …”